A utilização de detergentes enzimáticos na indústria alimentar é uma alternativa?
A inovação e o desenvolvimento de novos produtos de higiene para a indústria alimentar proporcionam novas soluções de limpeza e desinfeção, melhorando assim a segurança, eficiência e sustentabilidade destes processos. A inovação no campo dos detergentes e desinfeção explora a aplicabilidade e o desempenho de novas tecnologias, tais como enzimas, proteínas que atuam como biocatalisadores (aceleram reações químicas tais como, a hidrólise de biomoléculas). Devido à grande diversidade de enzimas disponíveis a nível industrial e à especificidade das reações que catalisam, a utilização de enzimas tornou-se generalizada em muitos campos, incluindo a produção de alimentos (por exemplo, coagulação do leite, intensificadores de sabor e a textura do queijo, redução da consistência da massa e clarificação do sumo), biotecnologia, biorremediação de águas residuais, produção de biocombustíveis, detergência e mesmo no campo da cosmética.
No campo da detergência, as características mais interessantes das enzimas são a sua atividade específica a valores moderados de pH e a sua biodegradabilidade. Além disso, são obtidas a partir de fermentações realizadas por microrganismos em cultura, o que permite que sejam geradas em escala suficiente para uso industrial. Com estas características, a adição de enzimas a formulações detergentes é possível e viável, uma vez que são necessárias baixas quantidades de enzimas para obter o efeito desejado. Assim, os detergentes enzimáticos podem atuar especificamente sobre a sujidade ou outros substratos, quebrando-os em partículas mais pequenas e aumentando a eficácia do detergente.
O sector da lavandaria tem mais de 30 anos de experiência na utilização de detergentes enzimáticos, com resultados favoráveis em termos de eficiência, remoção de sujidade e também na sustentabilidade do processo. Neste campo, observou-se que a utilização de enzimas tornou possível reduzir o tempo e a temperatura de lavagem, resultando em poupança de energia e água. Na indústria alimentar, o cenário é diferente. Embora os detergentes enzimáticos representem uma alternativa verde e altamente eficiente aos detergentes convencionais, a sua utilização para limpeza geral é limitada e os detergentes enzimáticos encontram o seu nicho de mercado em aplicações específicas, tais como o controlo do biofilme ou dos alergênicos e a limpeza das membranas.
Tratamento de controlo do biofilme
Uma das aplicações mais importantes dos detergentes enzimáticos na indústria alimentar é o controlo de biofilmes, devido ao risco microbiológico que representam para a indústria alimentar. Para compreender o papel destes produtos no tratamento de biofilmes, é necessário saber o que são.
Adesão reversível → Adesão irreversível → A proliferação e produção do expolímero → Amadurecimento → Dispersão
Os biofilmes são estruturas microbianas que se formam em superfícies quando os microrganismos se colam a elas e começam a agrupar, dividir e secretar substâncias poliméricas extracelulares (EPS). Estas substâncias permitem que os microrganismos adiram uns aos outros e à superfície, como também, criam uma camada protetora contra agentes físicos e químicos externos. Os biofilmes, devido a esta camada de EPS, são estruturas que são muito difíceis de remover com detergentes e desinfetantes convencionais. Além disso, podem abrigar microrganismos patogénicos múltiplos, tais como Listeria monocytogenes, Salmonella ou Campylobacter, entre outros. Por conseguinte, a sua presença representa um risco significativo para a indústria alimentar.
Os biofilmes encontram ambientes ideais para a sua formação em pontos das cadeias de produção das indústrias alimentares, sendo que a formação de biofilmes requer a presença de nutrientes, humidade e superfícies a que devem aderir. Por conseguinte, o controlo dos biofilmes está a tornar-se cada vez mais importante nos planos de higiene das indústrias alimentares. Devido à dificuldade de controlo dos biofilmes e à sua resistência aos produtos convencionais, foram desenvolvidos produtos e protocolos específicos de limpeza e desinfeção para conseguir o seu controlo utilizando, entre outros, a tecnologia enzimática. Neste caso, os detergentes enzimáticos apresentam uma combinação de enzimas que decompõem a matriz de biofilmes de EPS, atuando sobre proteínas, lípidos e açúcares, os principais componentes do EPS. Quebrar a matriz de EPS significa remover a camada protetora dos biofilmes e expor os microrganismos dentro deles ao ambiente exterior, de modo a que, se for aplicado um desinfetante, este possa alcançar os microrganismos que formaram o biofilme, atuar sobre eles, e eliminá-los.
Os detergentes enzimáticos utilizados na indústria alimentar são detergentes neutros, não danificam superfícies e são mais seguros para os operadores. São também biodegradáveis e não deixam resíduos. São geralmente aplicados a temperaturas entre 45-55°C e utilizando o mesmo equipamento espumante ou sistemas CIP que os detergentes convencionais. A temperatura de aplicação do produto é fundamental para os detergentes enzimáticos. Como as enzimas são proteínas, se o detergente enzimático for aplicado a temperaturas superiores a 55°C, as enzimas podem degradar-se e deixar de funcionar. Pelo contrário, se for aplicado a temperaturas mais baixas, o desempenho do produto não será o esperado.
Existem diferentes produtos e protocolos para a controlo de biofilme, dependendo do tratamento necessário. Existem protocolos de choque e protocolos preventivos. Os primeiros são aplicados quando são detectados problemas de biofilme e é necessária a remoção rápida dos biofilmes. O segundo é aplicado para prevenir a formação de novos biofilmes ou o reaparecimento de biofilmes. Estes protocolos diferem nos produtos utilizados ou nas concentrações aplicadas e na frequência de aplicação do produto, sendo os tratamentos de choque mais concentrados no tempo e os tratamentos preventivos aplicados regularmente com uma frequência específica que pode variar de semanal a mensal, dependendo do tipo de indústria.
Eliminação de Alergénios
Outra aplicação da enzimática na indústria alimentar é para a remoção de alergénios. Os alergênicos são proteínas de diferentes alimentos que causam uma resposta do sistema imunitário dos consumidores alérgicos aos mesmos: alergias alimentares.
Atualmente, a presença de alergênicos nos alimentos e a sua declaração é regulamentada pela UE (Regulamento (UE) 1169/2011). O Anexo II deste regulamento descreve os 14 alergênicos mais importantes nos alimentos. Entre estes alergênicos, glúten, produtos lácteos, ovos, crustáceos, soja, nozes e amendoins são alguns dos alergênicos aos quais a maioria da população é alérgica. Os vestígios destas substâncias num produto podem desencadear uma reação imunológica na pessoa afetada. Esta reação adversa pode causar sintomas e situações de saúde muito graves. É por esta razão que a presença de alergênicos não declarados nos rótulos dos alimentos deve ser zero. Seria mais apropriado poder garantir a ausência destes alergênicos nos produtos produzidos, o que pode ser conseguido através de linhas de produção específicas e evitando a contaminação cruzada.
Uma higiene adequada, especialmente incluindo protocolos específicos para a remoção de alergénios, é de importância vital para evitar a contaminação cruzada de alimentos, especialmente nos casos em que não é possível separar as linhas de produção. Estes protocolos específicos exigem a utilização de produtos alergénicos. Isto revela-se não ser uma tarefa fácil. Nestes casos, mais uma vez, as enzimas podem contribuir muito. Os alergénios são proteínas e podem portanto ser decompostos pela ação das enzimas, ajudando a aumentar a eficácia da remoção dos alergénios dos detergentes. É sempre necessário verificar a ausência de alergénios na área de proteção ao mudar de produto. Se a ausência de alergénios não puder ser garantida, a possível presença do alergénio deve ser corretamente indicada no rótulo (rotulagem de precaução) de acordo com os regulamentos da UE (regulamento (UE) 1169/2011), a fim de alcançar um elevado nível de proteção da saúde dos consumidores e de fornecer o máximo de informação aos consumidores.
Na indústria alimentar, a utilização de detergentes enzimáticos aumenta a segurança do produto acabado, ajudando a evitar a presença de biofilmes e alergénios, de uma forma eficaz e mais amiga do ambiente.
Limpeza por membranas
Outra utilização importante da enzimática é na higiene das membranas utilizadas em certas indústrias alimentares. Hoje em dia, os processos de separação de membranas são comuns na indústria leiteira devido às suas numerosas vantagens; a sua simplicidade, elevada seletividade, condições de funcionamento suaves, facilidade de expansão e reduzido consumo de energia em comparação com os métodos convencionais.
As membranas são barreiras semi-permeáveis e seletivas à passagem de várias substâncias que devem ser periodicamente condicionadas para remover a sujidade tanto da sua superfície como do interior da sua estrutura porosa, a fim de recuperar as suas propriedades. Por exemplo, os processos de limpeza por membranas UF são uma etapa chave no processo global de produção na indústria alimentar. Tipicamente, os protocolos de limpeza têm de ser realizados diariamente, daí a importância de conceber bons protocolos de limpeza dependendo do tipo de sujidade (superficial ou interna na estrutura porosa) e da composição do próprio alimento. Ambos conduzem a uma diminuição da quantidade de fluxo de permeado nas membranas, o que resulta numa diminuição da produção global e da vida útil das membranas, bem como a um aumento dos custos de funcionamento e do consumo de energia.
A utilização de produtos enzimáticos em tarefas de limpeza de membranas é uma opção adequada e menos agressiva em comparação com outros tipos de produtos, devido às suas próprias características naturais; não requerem temperaturas elevadas, bem como níveis de pH mais suaves. Desta forma, podemos salientar que a utilização de produtos enzimáticos significa menor consumo de energia (devido ao funcionamento a temperaturas amenas) e um impacto ambiental mínimo (uma vez que são compostos biodegradáveis), bem como o prolongamento da vida útil das membranas.
Eficiência, alternativas verdes e acessibilidade económica são as características que a indústria alimentar procura nos seus protocolos de limpeza. Os produtos enzimáticos enquadram-se perfeitamente nesta premissa, tornando-se uma alternativa a outros produtos químicos. Para além de poder controlar os biofilmes e os alergênicos, bem como membranas de limpeza, este tipo de produto é também adequado para tarefas gerais de limpeza na indústria alimentar, removendo a sujidade de diferentes tipos de superfícies em plantas de produção.
Bibliografia
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Regulamento (UE) 11669/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho (25 de Outubro de 2011)
Autores
Mercè Berga
Licenciatura em Biologia pela Universidade de Girona. Doutoramento em biologia marinha e limnologia pela Universidade de Uppsala (Suécia) com a tese “Mecanismo de montagem em comunidades bacterianas aquáticas – O papel das perturbações, dispersão e história”. Microbiologista de I&D em CHRISTEYNS Espanha.
Joan Estornell
Licenciado em Ciências da Información. Máster em Direção de Contas Publicitarias. Inovação estratégica em Marketing y Publicidade (UAB). Master em Digital Business. Marketing Digital (ESIC Business & Marketing School). Curso de Higienista na Indústria Alimentar (Betelgeux). Marketing Manager Food Hygiene na CHRISTEYNS.